Informação Nutricional Complementar em rótulos de alimentos industrializados direcionados a crianças

20/07/2016 12:43

A Informação Nutricional Complementar (INC) é um tipo de alegação utilizada nos rótulos para destacar propriedades nutricionais específicas dos alimentos, como por exemplo, o acréscimo de vitaminas ou a redução do teor sódio. Entretanto, a INC não significa que o alimento tem boa qualidade nutricional. Autores discutem se a INC tem o potencial de levar os consumidores a perceberem os alimentos como mais saudáveis do que realmente são. Essa possibilidade se torna ainda mais preocupante quando se considera a presença de INC em alimentos industrializados direcionados a crianças. Tais alimentos estão entre os mais consumidos nessa faixa etária, no qual também é crescente a prevalência de sobrepeso e obesidade.

Diante disso, analisar questões relacionadas à presença de INC nos rótulos de alimentos direcionados a crianças foi o objetivo da tese de doutorado defendida pela nutricionista Vanessa Mello Rodrigues, em julho de 2016, sob orientação da professora do departamento de Nutrição, Giovanna Medeiros Rataichesck Fiates. A pesquisa foi realizada no Programa de Pós-Graduação em Nutrição (PPGN) e no Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições (NUPPRE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com parceria da professora Rossana Pacheco da Costa Proença e apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio da concessão de bolsa de doutorado.

A tese foi desenvolvida em três etapas. A fase inicial investigou a disponibilidade de alimentos direcionados a crianças em um supermercado de Florianópolis, identificou as INC nos rótulos e comparou a composição nutricional entre alimentos com e sem INC. Entre os 5620 alimentos que compuseram o banco de dados, cerca de 10% (535) tinham estratégias de marketing direcionadas a crianças (ex. personagens de desenhos animados, passatempos, brindes) e constituíram a amostra. Mais da metade dos alimentos direcionados a crianças (56,1%) pertencia ao grupo que inclui achocolatados, biscoitos doces recheados, balas, refrigerantes e salgadinhos. Aproximadamente metade dos alimentos avaliados (50,5%) apresentava no mínimo uma INC no rótulo. Os alimentos com INC apresentaram composição nutricional semelhante aos alimentos sem INC para a maioria dos itens avaliados, com exceção do sódio. Alimentos com INC apresentaram maior conteúdo de sódio que alimentos sem INC.

A segunda etapa da pesquisa avaliou a qualidade nutricional dos alimentos com INC nos rótulos direcionados a crianças utilizando duas abordagens diferentes: por perfil nutricional e por nível de processamento. Para avaliação do perfil nutricional foi utilizado o modelo UK Ofcom Nutrient Profiling, que regula a publicidade de alimentos e bebidas direcionados a crianças na televisão do Reino Unido e está sendo implantando nas legislações sobre rotulagem da Irlanda, Austrália e Nova Zelândia. Os alimentos foram classificados em “mais saudáveis” e “menos saudáveis” com base em um escore ponderado relativo ao conteúdo de nutrientes e ingredientes por 100 g de um alimento ou bebida. Para avaliar os alimentos com base no seu nível de processamento, foram utilizadas as recomendações publicadas em novembro de 2014, na 2ª edição do Guia alimentar para a população brasileira. Alimentos in natura e minimamente processados foram considerados “mais saudáveis”, enquanto alimentos processados e ultraprocessados foram classificados como “menos saudáveis”. Após as análises, o modelo baseado no nível de processamento categorizou mais alimentos com INC como „menos saudáveis‟ (96%) do que o modelo por perfil nutricional (74%). Entretanto, independentemente do modelo utilizado, pelo menos 3/4 dos alimentos direcionados a crianças com INC foram classificados como „menos saudáveis‟.

Destaca-se que Vanessa realizou um estágio de doutorado sanduíche na Universidade de Oxford, Inglaterra, com o grupo coordenado pelo criador do modelo UK/Ofcom Nutrient Profiling, prof. Mike Rayner, buscando discutir a aplicabilidade desse modelo aos alimentos comercializados no Brasil. O estágio foi realizado entre janeiro e setembro de 2015, com bolsa do Programa Ciência Sem Fronteiras do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A etapa final do trabalho buscou investigar a percepção de pais sobre alimentos ultraprocessados com INC nos rótulos direcionados a crianças e se essas alegações poderiam influenciar nas suas escolhas. Foram realizadas entrevistas presenciais com pais de crianças entre 7 e 10 anos. Embalagens de alimentos ultraprocessados com estratégias de marketing para crianças e INC nos rótulos foram utilizadas para orientar a condução das entrevistas. De acordo com os resultados, apenas alguns pais referiram que não se influenciariam pelas alegações nos rótulos, por avaliarem que esses destaques não melhoravam a baixa qualidade nutricional dos alimentos. Por outro lado, apesar de reconhecerem os alimentos ultraprocessados direcionados a crianças como pouco saudáveis, a presença da alegação nutricional pareceu funcionar para alguns pais como mais um estímulo para aquisição tais alimentos, juntamente com a praticidade e boa aceitação dos filhos.

O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990, em seu artigo 37, dispõe que é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. Define como enganosa, entre outras questões, “qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, capaz de induzir ao erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”. Além disso, como abusiva, “publicidade discriminatória de qualquer natureza, que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”. Portanto, a pesquisadora ressalta que o destaque de atributos considerados positivos nos rótulos de alimentos avaliados como não saudáveis tanto pelo parâmetro nacional, baseado no nível de processamento, quanto por um parâmetro internacional, baseado no perfil nutricional, constitui publicidade enganosa e abusiva e deve ser proibido.

A partir dos resultados obtidos na tese, espera-se iniciar a discussão sobre restrições ao uso de INC em alimentos pouco saudáveis. Essas medidas buscam evitar más interpretações que possam promover escolhas pouco saudáveis e contribuir com a proteção à saúde das pessoas, especialmente das crianças, população vulnerável aos efeitos do marketing de alimentos.

CONTATOS:

Vanessa Mello Rodrigues (v.mellorodrigues@yahoo.com.br)

Prof.ª Giovanna Medeiros Rataichesck Fiates (giovanna.fiates@ufsc.br)

Prof.ª Rossana Pacheco da Costa Proença (rossana.costa@ufsc.br)

PPGN/UFSC – http://www.ppgn.ufsc.br/

NUPPRE – http://nuppre.ufsc.br/

Documento em PDF: Nota de imprensa tese PPGN NUPPRE UFSC Vanessa Mello Rodrigues 2016