Paz relativa. Relacionamento entre cientistas e jornalistas melhorou, mas ainda é possível avançar

16/09/2015 20:42

Na segunda de uma série de reportagens sobre jornalismo científico, motivada pelos 20 anos da publicação do primeiro boletim Notícias FAPESP, que originou esta revista, o objeto é a relação por vezes conturbada entre cientistas e jornalistas. A primeira reportagem,publicada na edição de agosto, relatou o trabalho pioneiro de Júlio Abramczyk e José Hamilton Ribeiro.

Em 2008, Ana Lúcia Azevedo, então editora de ciência do jornal O Globo, recebeu a tarefa de preparar com urgência uma reportagem sobre os 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro. O historiador a quem ela ligou para marcar uma entrevista concordou com seu plano de reportagem e em seguida lhe pediu: “Venha daqui a dois meses”.

“Já foi muito mais difícil do que hoje”, diz Ana Lúcia, que editou ciência durante 22 anos e desde maio deste ano é repórter especial, escrevendo principalmente sobre temas científicos, ambiente e medicina. “Antes os pesquisadores simplesmente não queriam falar. Hoje são mais receptivos, principalmente os jovens.” Apenas uma vez um pesquisador jovem impôs uma série de condições antes de dar uma possível entrevista: a jornalista não aceitou, procurou o chefe dele, “um inglês supergentil, e a reportagem saiu ótima”, ela recorda.

“Nos últimos 10 anos houve uma clara melhora na forma de a imprensa se colocar em relação à ciência”, observa o físico Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). “De modo geral os repórteres hoje parecem se preparar melhor para formular perguntas mais consistentes. Antes as perguntas eram muito básicas, perguntavam-me: ‘É verdade que o planeta está se aquecendo?’, e hoje me perguntam: ‘Como você avalia as estratégias brasileiras de combate aos impactos das mudanças climáticas?’.”

Artaxo tem uma longa experiência e uma rara habilidade de falar com jornalistas. Seu didatismo e cordialidade, porém, não evitaram infortúnios. Várias vezes ele recebeu repórteres que tinham acabado de receber a tarefa de entrevistar um especialista em mudanças climáticas. “Eles me pediam: ‘Professor, o que é que eu tenho de te perguntar?’”, relata Artaxo. “Aí a entrevista é um fiasco.”

Outro problema são as entrevistas que começam bem, mas depois revelam um tácito direcionamento político para uma abordagem da qual ele discorda e para a qual voluntariamente jamais faria qualquer comentário. “Não dou mais entrevistas para alguns órgãos de imprensa porque o que vai sair não é o que eu disse, mas o que o editor quer”, ele decidiu, depois de ver que os pedidos de erratas não eram bem-vindos. Uma vez ele ligou para um repórter de uma revista e disse que o que tinha sido publicado não era exatamente o que ele tinha falado. “E o repórter me respondeu: ‘Foi assim que eu entendi’”, diz Artaxo.

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