Identificar para prevenir, é assim que a pesquisa da nutricionista Angelica Scherlowski Fassula pretende lidar com inflamações crônicas de baixa intensidade, que podem acarretar em problemas cardiovasculares. O estudo Desenvolvimento e Validação interna do padrão inflamatório associado com risco cardiovascular – Inflacardio, realizado pela doutoranda do Programa de Pós-graduação em Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), levou o prêmio de segundo lugar no XVII Congresso latino-americano de terapia nutricional, nutrição clínica e metabolismo. Ela é orientada pela professora Yara Maria Franco Moreno.
O trabalho identificou, na população adulta de Florianópolis, quais biomarcadores, que juntos compõem um escore denominado pelo grupo de pesquisa como Inflacardio, mostram com maior precisão a presença de inflamações crônicas de baixa intensidade, quando comparado ao exame empregado atualmente. A segunda etapa da pesquisa será identificar quais os padrões alimentares levam a essas inflamações.
Além do risco cardiovascular, também estão associados a essa inflamação, com modulações diferentes, o câncer, as doenças crônicas não transmissíveis, as alterações neurológicas como o Alzheimer e a obesidade. A identificação dessa ferramenta que denuncia com maior especificidade a inflamação associada com risco cardiovascular é a grande inovação proposta pela pesquisa, que leva a um aumento na precisão do diagnóstico. “Inflamação crônica e de baixa intensidade não é detectável pelos exames normais que identificam o processo inflamatório”, explica Angelica.
O modelo de Inflacardio funciona como um escore, em que cada um dos quatro biomarcadores – sendo eles a proteína C reativa, linfócitos, monócitos e plaquetas – possuem pesos e valores, que são somados para demonstrar uma maior ou menor inflamação crônica. Angelica explica que com um exame de proteína C reativa e um leucograma é possível calcular o Inflacardio, que são exames simples feito na prática clínica e de baixo custo.
A amostra do estudo levou em conta a população adulta da capital catarinense, com idade entre 23 e 65 anos, com base em dados do EpiFloripa, um estudo desenvolvido por pesquisadores da área da saúde da UFSC desde 2009 sobre condições de vida e saúde da população adulta e idosa de Florianópolis. “O próximo passo após a publicação será avaliar se o Inflacardio também será validado para outras populações adultas do Brasil”, declara a pesquisadora. Por conta da extensão territorial, diversidades étnicas e culturais no país, entre outros fatores que acarretam em hábitos e fatores comportamentais diversos, muda-se tanto o perfil inflamatório quanto o consumo alimentar em cada região. Dessa forma, a pesquisadora ressalta que podem haver alterações, já que ainda não há resultados disponíveis sobre isso no momento.
“Primeiro identificamos esse padrão inflamatório associado ao risco cardiovascular, a segunda parte pretende identificar o padrão alimentar, ou seja, quais são os alimentos que compõem a alimentação normal da população e que podem estar associados com o aumento da inflamação, e com isso o risco cardiovascular”, declara Angelica. Com o padrão alimentar associado ao risco cardiovascular identificado, será possível agir de maneira preventiva individualmente, incorporando uma alimentação anti-inflamatória.
Metodologia e reconhecimento
Para a identificação do Inflacardio, foi utilizado o método Reduced-Rank Regression, que é uma metodologia estatística de regressão. “Optamos por esse método estatístico com o objetivo de identificar um padrão inflamatório com especificidade maior, e foi o que aconteceu”, conta a pesquisadora. Com o uso dessa estratégia, foi possível identificar entre mais de 12 biomarcadores de inflamação, os dois de maior representabilidade para indicar o grau de inflamação, sendo eles a proteína C reativa e os monócitos. A doutoranda também explica como os monócitos estão relacionados com a aterosclerose, que é o processo de espessamento das artérias, no qual se vê a deposição de gordura.
O mesmo método foi empregado pelo professor Fred Tabung, da Universidade de Ohio, em sua pesquisa sobre padrões alimentares estadounidenses. O professor é colaborador no estudo, juntamente com pesquisadores da UFSC e da Universidade de Adelaide. “Eu usei o mesmo método estatístico, mas com objetivo diferente, ao invés de identificar alimentos, eu identifiquei os biomarcadores de inflamação”, explica Angelica.
Para realizar as análises, as coletas de amostras de exames dos participantes aconteceram em três períodos, nos anos de 2009, 2012 e 2014. A princípio, a primeira onda de coletas recebeu 1.720 participantes e a última recebeu 830 pessoas. No momento, a pesquisa analisa 486 adultos, e a pesquisadora ressalta que continua sendo uma amostra representativa da população adulta de Florianópolis.
“O trabalho apresentado foi reconhecido pela relevância do tema, pela metodologia e principalmente pelos métodos estatísticos empregados”, conta a pesquisadora sobre o reconhecimento na premiação. Ela ressalta a importância dessa indicação para estimular o grupo a continuar com o trabalho, mesmo em meio a tantas dificuldades no cenário da pesquisa no Brasil.
Luana Consoli/Estagiária de Jornalismo/Agecom UFSC